- Como obséquio de minha escravidão por amor -

28 de maio de 2015

Lamentação aos pés da Virgem

Sobre as ruínas da virgindade (II)



Tu, infiel, violaste o juramento
com que selaras a tua pureza
     o amor espezinhado chora,
a fidelidade se desfaz de dor.
     Desagradou-te o Esposo,
abraçaste um hediondo adúltero.
A morada hospitaleira do Senhor tornou-se
     o covil de um ladrão!
Desprezaste o Rei para lançar-te aos braços
     do tirano infernal:
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trocaste por uma amo infame um Pai glorioso.
Afastas o amigo sincero, que te adora:
rendes-te ao pérfido inimigo, que te odeia.
E, por que não choras tu, ó desgraçada,
por teres ofendido a este Pai bondoso
que devera ser o único amor de tua alma?
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Por que, ó celerada, não gemes de dor,
por teres desprezado o Onipotente,
a quem deveras tributar a devida glória?
Por que não te dóis, ó infiel esposa,
de teres violado a promessa ao casto Esposo,
de teres maculado o leito virginal?
Desonraste no leito imundo o bordel
     a glória da aliança,
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longe do casto Esposo, ao peito do cruel carrasco!
Mísera, que delírio te fascinou?
Que perversa volutuosidade te arrastou?
Que paixão te submergiu, ó tresloucada?
Veemente sorvedouro de águas imundas
     te arrebatou, infeliz!
aos mais profundos pântanos da lama.
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Jazes como oculta ao Rei dos céus altíssimos:
não tens o celestial amor de teu Esposo!
Emaranhada na teia de teus próprios vícios
o torpe amante te embala ao asqueroso peito.
     Ó naufrágio imenso,
que nenhum esforço poderá salvar!
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Ó tesouros perdidos para sempre!
     Ó veste imaculada,
não voltarás à candura de outrora!
Ó glória, não alcançarás jamais o brilho antigo.
Ó santa virgindade, tão grata ao Belo Esposo,
que desgraça, que fera tempestade te esfolhou?
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De ti, agora, resta-me uma imagem longínqua:
     uma vez abandonada,
retiras-te infelizmente para não mais voltar!
Roto meu, oh! Torna-te macilento!
Olhos meus, chorai tamanha ruína!
Que o pranto vertido conspurque as faces prazenteiras!
Lágrimas, gemidos, prantos, lamentos
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de dor, de terror, de pavor, de horror
     caí sobre mim!
     Sepultai esta alma
nos abismos cruéis do sofrimento
e mergulhai-a na melancolia
     até o fundo do inferno!
     "Ó Pai celeste,
ou tu me escondes nas trevas sempiternas,
para não mais ofenderem meus crimes
     a teus puros olhos,
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ou tu me esmagas a carne rebelde
     na mó da contrição
e minha vida se torne a de um digno filho teu!"

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