- Como obséquio de minha escravidão por amor -

24 de dezembro de 2014

Nascimento da Bem Aventurada Virgem Maria

"Pelas letras do alfabeto"


     Tu és a Vara
que germinou da raiz de Jessé,
vara isenta de nós, vara isenta de asperezas:
Os nós são o ferrete do primeiro pecado
     que tu não herdaste,
480
as asperezas são as culpas próprias que não tens.
Fazendo desta vara açoite, vergastarás
     o tirano infernal
e o expulsarás da casa mal havida.
     Também a teus filhos
tu castigas com golpes compassivos
e depois os acalentas com teu materno amor.
485
     ó Vara piedosa,
inclina-te frequentemente sobre o meu dorso:
ser-me-á doce suportar os golpes de sua mão.
     Fere, não me perdoes:
Estão a pedir castigo minhas culpas...
Fere, não me perdoes: tudo contente sofrerei!
Se aos teus prediletos mais feres quanto mais amas,
490
     feres-me sem medo,
para que eu seja teu sem restrição!
Bate-me! não temo sucumbir sob esta vara:
jamais alguém recebeu a morte de tua mão.
Tu castigas curando e curas castigando:
de tuas mãos escoa a vida pelos membros mortos.
495
Ó vara sagrada, crescerás sem medida
até tocar os astros com a ponta intata!

Nascimento da Bem Aventurada Virgem Maria

"Pelas letras do alfabeto"




455
     És a Quadriga de Deus
que incitada do justo furor divino
esmagas entre as rodas as falanges inimigas.
     Com o escudo da fortaleza,
     com o raio da irada justiça,
sepulta os exércitos que se erguem contra mim.




     Tu és a Rosa,
que entre espinhos nascestes sem um risco,
460
no esplendor eterno da eterna primavera.
Não te machuca o inverno com seu frio de agulhas,
nem te machuca o estico com um sol de brasas.
     Tua floração perpétua,
que há de consolar nossos primeiros pais,
ornará sempre nova seus últimos descendentes.
465
Tu és Selo, Sinal, Sol, Seta, Salvação
da justiça, da fé, da luz, do amor, da terra!
     Imprime, ó Mãe, tua justiça;
com o sinal da fé comanda os arraiais que pelejam;
derrama as riquezas da eterna luz;
asseteia-me o peito de divino amor,
e mostra ao mundo no Templo do Senhor
470
     o caminho da salvação!



     És Teto protetor
contra o calor do sol causticante,
contra o gelo do inverno e o frio da neve;
     o Tecido das folhas,
em que Adão esconderá sua ignomínia
e nossa mãe Eva cobrirá a vergonha de seu pecado.
475
Em ti, minha alma e corpo esfarrapados
     acharão abrigo
e se tornarão agradáveis ao Criador.

18 de dezembro de 2014

Nascimento da Bem Aventurada Virgem Maria

"Pelas letras do alfabeto"


     Tu és um Mar imenso:
maior que o imenso abismo, escondes em teu seio exércitos inumeráveis.
435
Vagueiam entre os peixinhos os grandes cetáceos
e todos vivem seguros sob o manto que os cobre.
Aos teus domínios os bons se acolhem, e os próprios maus
quando suplicam a tua misericórdia
     não os repeles.




     Tu és a Nau
que nenhuma vaga do oceano arrasta,
440
que nenhum turbilhão dos ares despedaça.
Em teu convés perfaz o navegante
     tranquila derrota
e pisa com alvoroço o litoral da pátria.




     Tu és o Obstáculo:
tu cerras as portas do santuário,
para que os touros indômitos não profanem
     os sagrados altares.
445
A ti não forçarão jamais nem as portas do inferno
nem, com deslumbramentos, o pérfido heresiarca.
Fecha-nos,ó Mãe, com robustos ferrolhos,
     as entradas do coração,
para que só a Deus fiquem patentes.






     Tu és o Porto tranquilo,
a enseada segura dos navios,
450
batidos pela fúria do mar enlouquecido,
     Eis que a minha barquinha,
a braços com medonha tempestade,
a ti se acolhe já ao pôr do sol,
     com o remeiro alquebrado.
Agora que o mármore do mar se eriça contra os ventos
estende-me sua mão, Virgem bondosa,
     para que não pereça.

10 de dezembro de 2014

Nascimento da Bem Aventurada Virgem Maria

"Pelas letras do alfabeto"



     És a Gema da pérola,
que vences em fulgor os afogueados rubis,
410
e fazes relampejar o áureo palácio de Deus.
És a jóia fulgente que não tem preço:
Toda a sua beleza haurem de ti o céu e a terra.
Tu bordas de reflexos deslumbrantes
     os corações que te amam
e os fazem dignos do olhar dadivoso de Deus.

415
     És a Infusa
     que derramas torrentes de óleo benéfico
e enches de substancioso licor todos os vasos.
Com ele paga o triste devedor as suas dívidas,
dele tira com que viver eternamente,
Tornas-me rijos para a luta os membros enfermiços,
420
     ungindo-os com o óleo da piedade.


 Tu és o Jáculo
que nos cravas amorosamente o peito
e nos rasgas o coração para sarar;
rompes a muralha da nossa fronte,
abrindo largas brechas com a luz do teu olhar.
425
Quem tu fixaste com os pequeninos olhos
     cheios de mansidão,
gemerá para logo trespassado com a espada.




   

Tu és a Lua,
cujo resplendor desconhece fases,
enchendo perpetuamente o disco fulgurante.
Tu luzes para os que andam em trevas,
430
iluminando-os serena na escuridão da noite.
Quem medir os passos pela tua luz
estará contente ao descambar da vida.

9 de dezembro de 2014

Nascimento da Bem Aventurada Virgem Maria

"Pelas letras do alfabeto"

385
     Tu és a Colina,
onde fértil floresta reborbulha em fontes,
onde o cheiroso incenso, do tronco, lacrimeja.
Este odor refocila os vivos e restitui a vida
os que arrebatou a morte inexorável.
     Ele sarou minha alma
390
corroída pelos vermes infernais
e levantou meu rosto do lodaçal infecto.

     És o Depósito de água viva
donde decorrem para todo o mundo
     os canais da divina fonte.
Como de manancial inexgotável,
de ti deriva o celeste e transbordante arroio.
que pelos campos estéreis se derrama.
395
Mergulha-me, eu te rogo, nessas águas vitais,
para que o fogo infernal não me torre as entranhas.


És a verdadeira Efígie,
és o retrato da divina formosura,
cujo esplendor eterno refulge em teu semblante.
Nela como em terso espelho se refletem.
400
a perfeição, a inteligência, as virtudes todas
     do Ser onipotente.
Imprime em nosso coração, ó Imaculada,
a formosa imagem de tua vida casta!




     És o fogo celeste,
que carbonizais com chama veloz nossos crimes
e abrasas no inferno a Lúcifer vencido.
405
     O teu nome, Ó Virgem,
desbarata, aterra e precipita no abismo
     as coortes do mal.
Teu nome, ó Maria, ao desencadear-se a guerra,
ser-me-á raio que prostra, dardo que fulmina.

Nascimento da Bem Aventurada Virgem Maria

"Pelas letras do alfabeto"

Si bem considero, tu, ó santa virgenzinha,
     és a Árvore da vida,
     fértil de frutos eternos,
cujas raízes se escondem nas entranhas da terra,
cujas franças sublimes chegam às alturas do céu,
365
cujos braços sombreiam o nascente e o poente,
e tudo abrigam de um a outro polo.
Sob tuas rapagens proteges tudo o que respira:
     amam tua sombra os homens,
     amam-na as próprias feras.
Aos bons tu dás a sombra de tua paz
370
e aos maus que se achegam não negas teu frescor.
Eis que de contínuo me abrasa o fogo das paixões:
     em tuas largas ramagens,
acolhe-me, ó árvore toda amenidade:
oxalá possa eu, qual celeste avezinha,
desferir radiante nos teus ramos
     trinados divinos,
375
quais soltam em inesgotável melodia
     os que teu amor incendeia
     na fornalha do coração.
São estes que tanto gostam de sondar
     os abismos de tuas virtudes
medindo os passos pelos teus vestígios.



     Tu és o Báculo,
     que sustém as débeis forças
380
e não deixas cair no laço os pés vacilantes.
Não tema desgraça quem em ti se apoia e firma,
quem confia à tua guarda corpo e alma.
Olha como todo se esvai o meu vigor,
como os joelhos fracos me vacilam:
     estende-me teu braço
para que estes pés trementes não resvalem.

8 de dezembro de 2014

Nascimento da Bem-Aventurada Virgem Maria

"Beleza, Força e Glória"



340
"Salve, ó Maria! Adorna-te beleza tão divina,
que teu esplendor sobrepuja os coros angélicos.
Salve, ó Maria! Teu humano semblante é tão nobre,
que sua formosura vence todas as belezas terrenas.
Tu hás de restaurar o firmamento,
restituindo aos céus a primeira firmeza.
345
Apoiada na força invencível de teu Filho,
repararás com a nossa gente a ruína dos anjos.
Teu seio virginal nos dará o filho de Deus,
única salvação do mundo derrocado.
Salve, ó mulher forte, que após tantos séculos
350
     foste em fim encontrada
     como um cofre de ferro!
Ó cidade, monumento trabalhoso
     do braço do Senhor!
casa, que hás de hospedar seu próprio artífice!
     Ó novo rebento,
dom precioso da divina destra,
baixado ao coração de Joaquim e Ana!
355
Nasces, ó Virgem, de sangue ilustre de ilustres reis,
mas a nobreza celeste supera em ti a humana.
Não és feliz por nasceres de estirpe régia,
nem tua glória, ó Virgem, deriva de teus pais.
Eles é que são felizes porque geraram
     uma tão grande filha:
360
de tua glória é que decorre sua glória.


4 de dezembro de 2014

Nascimento da Bem-Aventurada Virgem Maria

E eu... que faço?


Oh! insensato, que paixão me arrasta?
     que torvelinho me arrebata?
para onde me levam tão cegamente os pés?
     Por que vagueias, olhos meus,
e não descansais no rosto da Virgem,
mais rosado que as rubicundas rosas?
     Por que não vos prendem
325
os olhos formosos da Virgem recém-nata,
     mais claros que a luz do sol?
Engano-me? Ou já vagidos me chegam os ouvidos?
que viração me trás tão suaves melodias?
Engano-me? Ou já me soou o nome de Maria,
330
ecoando no céu, na terra e no inferno?
     Respeitosas as estrelas
palpitam ao nome terno desta Virgem,
respeitosa a terra cala-se para ouvi-lo.
O exército infernal treme a este som terrível
e a serpente maligna some-se no abismo.
335
Ó nome todo mel de celestial doçura!
ó nome doce, doce quanto não sei dizer!
Se me permites, preso de teu amor,
levarei a teu berço, ó Virgem, o presente
     destes meus pobres cantos:

3 de dezembro de 2014

Nascimento da Bem-aventurada Virgem Maria

Os pais junto ao berço


295
Ao seu raiar cessaram as antigas discórdias:
estancou em teu peito a dor, ó Joaquim,
em tua face as lágrimas, ó Ana!
Já agora irás, ó venerando ancião,
sem repulsa alguma, ao templo do Senhor,
     ofertar-lhe os seus dons.
Não já irás ao redil para abismar-te em prantos,
300
nem guiarás choroso aos pastos o rebanho.
A filha que há de gerar no mundo o eterno gaudio,
nasce o marco final de tua amargura.
     O mais feliz entre os felizes,
terás com tua fecundidade a glória
     de ser pai de tal filha.
305
     A mais feliz entre as felizes,
serás com tua fecundidade, ó Ana,
     o escrínio dessa joia.
Sim! feliz sorte de felizes pais
a quem o Onipotente revestiu
     de tão excelsa honra!
Feliz paciência que venceu o tempo,
310
vindo, como terra fértil, a produzir tal fruto!
Feliz vida tão mansa e livre de discórdia,
que recebeu da mão todo-poderosa
     tão doce recompensa!
     Ó feliz piedade
generosa para com o Templo e os pobrezinhos
cumulada agora com tão belo tesouro!
315
     Felizes lágrimas,
que tão formosamente se estancaram!
Feliz sofrimento que acabou em tanto gozo!
     Alegre-te, ó Joaquim,
essa tua filha, um dia, mãe de Deus,
te tornará o maior de todos os avôs!
     Rejubila, ó Ana!
tua filha, guardando intacta a divindade,
320
te dará pode neto o próprio Deus!

Nascimento da Bem-aventurada Virgem Maria

A esperança nascida


     Contempla! ei-la que nasce
essa menina de beleza encantadora
cujo olhar clareia o mundo em trevas mergulhado.
Mal teus olhos tocar com sua chama luzente,
     de uma vez para sempre
guarda impresso teu meigo semblante.
285
Se privilegiado te deleitares em seu amor,
privilegiado de acalentará o mesmo amor.
Sua hora verdadeira te conquistará,
libertando-te da tua ignomínia.
Esta, se não sabes, é a glória nova do universo.
290
Doce riso da terra, belo sorriso do céu.
É a nobreza nova dos desonrados avós,
que nos restituiu o tesouro perdido pelo pecado.
Ela expunge a maldição lançada a nossos pais
e apaga toda a infâmia da sua descendência.

29 de novembro de 2014

Nascimento da Bem-aventurada Virgem Maria

Alvorada da redenção


Que novo luzeiro palpita na abóbada estrelada?
250
Que novo esplendor aclara as regiões da aurora?
Que novo fogo relampeja nas profundezas do céu?
Que nova chama cintila de de insólito fulgor?
Que nova luz derrama seus raios pelo mundo em trevas?
Que nova luz nascente ofusca os olhos meus?
255
Eis que desponta um clarão mais intenso,
aurora mais radiante se levanta,
rutila nos alcantis um astro mais fulgente!
     fulge com mais rubor
     a aurora cor de rosa
tingindo com raios de ouro os seus cabelos.
O admirável cortejo hoje avança mais belo
     pela cúpula luzente,
260
faiscando veloz em seus carros de fogo.
Mas eu, que faço eu, ainda a principiar?
     Essa nova luz
mergulhou-me nas trevas os olhos,enganou-me
     com seu intenso brilho.
É que agora, onde nenhuma luz havia,
     se alteia uma lâmpada
     mais fulgida que o sol.
265
Desde as primeiras origens deste mundo,
a caterva infernal tudo cobrira
     com o véu da confusão.
A noite tudo dominava com pavor sombrio,
tudo mergulhara em horrorosas trevas.
     Nenhuma aurora conseguira
expulsar as trevas que pairavam sobre o mundo
270
e afugentar os negros corcéis da noite.
Eis, porém, que a treva envolta em sombras,
contempla nas dobras serenas do céu
o primeiro clarão da luz desterrada.
Esta estrela de novas cintilações envia
a luz diurna que põe termo às trevas da noite.
275
     Bela entre as mais belas
ela precede a deslumbrante claridade,
e, majestosa, anuncia o sol do dia eterno.
     Esta é a estrela
que se desprendeu da estirpe de Jacó
e não há de sofrer a influência das trevas.
     Porventura, ó minha alma
ainda te queres engolfar em negras sombras?
280
ainda sobre os olhos te pesará a noite eterna?

28 de novembro de 2014

Conceição da Virgem Maria

"Colóquio amoroso"


     Ouves, ou eu me engano,
ouves o murmúrio incerto de minha voz tremente?
     ou, vida adormecida,
jazes sob o véu do seio maternal?
235
Talvez que transbordante de impureza, prenhe de vícios,
minha alma obstruiu os teus ouvidos...
     Oh! temo sem motivo...
     para longe vãos temores!
Não me engana a suave imagem desta mãe bondosa.
Eu sempre assim te conheci, espelho imperturbável:
240
a bondade de tua índole, achei-a sempre igual.
     Inda que a fresca noite
deixasse de destilar o brando orvalho
e de soltar sua água as nuvens carregadas;
     inda que as fontes límpidas
negassem ao viajante os olhos borbulhantes
     nem fosse transparente
a linfa do regato que desliza:
245
     jamais tuas entranhas
deixariam de verter torrenciais de amor,
jamais se secariam teus largos rios de doçura!
Oxalá me incendeie todo inteiro
     em fornalha infinita
     o doce amor de teu amor!

27 de novembro de 2014

Conceição da Virgem Maria

"Contrição aos pés da Virgem"


205
Ai de mim! por que é que eu, cego de vil amor
     à minha imundície,
te desprezei, ó mimo da Criação?
Por que se não renderam a tanta luz maus olhos?
Por que tanta fragrância me não inebriou o coração?
     Oh! infeliz de mim!
requeimei o viço de minha carne e de minha alma,
210
riquezas com que o Pai celeste me prendera:
     E ausentando-me p'ra longe
     abandonei pai e mãe
lançando minhas obras contra ti, contra Deus!
     Agora enfim regresso,
à procura de meu pai, de minha mãe
     e espero com teus méritos
encontrar a ti e encontrar a Deus.
215
Permite que infeliz me prostre aos teus umbrais,
não cerres duramente a porta às minhas súplicas.
Deixe que aqui passe inteiras as noites,
que aqui chore inteiros os dias!
A meu peito seja tua conceição casto prazer,
220
delícias, descanso, êxtase de amor
Purifique-me contemplando-a, revolvendo-a
     na mente agradecida:
fujam dela as impuras imagens de outrora.
Derrotará ao sujo amor teu casto amor,
embalsar-me-á tua fragrância
     o mau hálito do peito.
225
Ó Virgem carinhosa tu que acolhes 
os amantes da nívea castidade,
aprendida na escola de teu exemplo,
se a ti eu, com o coração manchado
     me voltei mais tarde,
quando as mãos me pousaste ao afagar-me
     sobre a alma semimorta:
não deixes de aquentar-me com o ardor do teu peito,
     para que a chama desta carne
arrefeça vencida em tuas labaredas,
e reflita sem sombra
a castidade que te consagrei um dia,
conservando sempre assim meu juramento.

26 de novembro de 2014

Conceição da Virgem Maria

"Tesouro do justo"


     Bem-aventurados aqueles,
cujo peito e aspirações todas vai devorando
     o fogo do teu amor!
185
     Bem-aventurado quem
na solidão bendita de uma noite serena,
de tanto te amar, em ti medita,
e de tanto meditar mais te ama!
     Bem-aventurado quem
se assemelha ao limiar de sua virgindade
e vigia de contínuo as tuas portas.
     Quem no peito amante
revolve as altas glórias de tua conceição,
190
que é a porta de ouro da tua vida.
     Ele experimentará
o carinho inefável do teu amor
e envolverá num corpo casto uma alma pura.
     No peito do Senhor
há de sorver a verdadeira salvação,
há de achar em seus mimos o tesouro da vida.
195
Ó amor, ó bondade imensurável do Pai supremo,
que te cinzelou com sua destra, como um lavor celeste.
     Exalte ao Senhor o céu,
para quem esta joia se prepara,
E com lábios agradecidos transborde em novos hinos!
     Louve-o também a terra,
por tão belo presente venturosa,
200
pois gera num só bem todos os bens!
     Também a minha alma
reverente te adora, ó Pai celeste,
e com a pequenina Virgem o meu amor te exalta!
     Oh! formosura,
da nossa estirpe glória encantadora,
resplendor de modéstia, candor de pureza!

25 de novembro de 2014

Conceição da Virgem Maria

"Esperança do pecador"


Quando a tua conceição o mundo inteiro alegra,
por que eu só cairei vergado de tristeza?
Talvez, porque negras faltas me roem o coração,
160
que geme a vista de suas asquerosidades?
Talvez, porque o lodo odeia a pureza,
     como as trevas a luz,
e a virtude para o coração perverso
     é sempre um espinho?
Talvez, porque os olhos impudicos fogem
     do semblante casto
e a luz da virgindade atormenta os impuros?
165
     É a verdade, confesso-o,
e ela seria capaz de mergulhar-me no abismo
a pobre alma com tanta carga de tristeza
se tua bondade não viesse dilatar-me
     o peito acabrunhado
se meu coração fugisse por completo
     ao teu seio materno.
A tua luz desbarata as trevas
a tua pureza purifica o lodo
170
a tua virtude afugenta o crime.
Seguirei impuro a tua pureza:
meu coração se unirá ao teu
para despojar os andrajos do pecado.
Mas, o que foi concebido no lodo desta terra
     quem o purificará?
Quem em torrente cristalina há de lavar
     uma macha maldita?
175
     Só a tua pureza
o há de conseguir, imaculada Virgem,
única liberta do mal hereditário.
Cúmplice envilecido do paterno crime,
eis que trago do seio de minha própria mãe
     a raiz da iniquidade.
Na voragem do lodo imundo mergulhada,
180
a vida me apodrece corroída por seus males.
Tu, fonte cristalina de pureza,
     terror da maldade,
banha-me o coração nas torrentes da vida.

23 de novembro de 2014

Conceição da Virgem Maria

"A alegria do Criador"


De infinita alegria tressalta o sumo artista,
ao remirar-se na maravilha de suas mãos.
135
Ao contemplar a ondulação inquieta do oceano,
e, a brincar pelos caminhos do mar,
     os variados monstros;
     ao ver a terra imóvel
com a carga dos mundos ao ombro
e ao colo com quanto alimenta em seu materno seio;
ao dispor em harmonia majestosa
     o turbilhão dos astros,
140
habitados por infinita floração de anjos;
se, com a obra acabada, que à sua voz surgiu,
o autor destas maravilhas se extasia:
     tu, ó formosa menina,
és, sob todos os aspectos, para o Pai supremo,
a mais transbordante fonte de alegria.
145
Ele exulta, afagando sobre o peito imutável,
a glória de te ter plasmado imaculada.
O artista burilou até a perfeição
esta obra predileta de seu braço
     e a antepõe às mais.
Nem a terra, nem o céu podem competir contigo:
150
     ante a tua formosura
o firmamento e as suas colunas cederão.
Anda enleada a multidão dos anjos
     no singular fulgor
que escapa ao véu do materno seio.
Se a natureza te modelou pequenina,
imensa te irá formando a divina graça.
155
Ó maravilha, ó nobre criação
     da destra divinal!
ó morada mais grandiosa que o universo!

22 de novembro de 2014

Conceição da Virgem Maria

"A alegria do mundo"


115
Exulte à conceição de tão grande princesa
    a terra inteira, que gemeu
sob o céu indignado tanto tempo!
Eis que voltou aquele esplendor do alto,
    aquele suave aspeto,
anuviado pela culpa do primeiro homem.
Rasgaram-se os nimbos, sorriram os pórticos do céu
120
     e o firmamento aplacado
mostrou de novo seu festivo rosto.
A tua conceição, ditosa Virgem,
     por mimo do Senhor,
conserva a glória da justiça original.
Para iluminar o céu, és luz celeste;
para purificar a terra impura
pura apareces de qualquer mancha.
125
E a dor e a causa de dor tão longa, o crime,
lançam-se em fuga vertiginosa, à tua vinda.
     Com razão se alegra o céu,
ao ser concebida a digníssima princesa,
que ao depois dará a luz ao seu Senhor.
     Com razão se alegra a terra,
porque, nascida embora do nosso barro,
130
serás a glória, a luz, a formosura
     do firmamento estrelado.
Congratula-se com a terra o mar, com o mar o céu,
com suas criaturas o próprio Criador.

21 de novembro de 2014

Conceição da Virgem Maria

"Derrota do inferno"


     Chore o inferno voraz!
Na virgem, ora concebida, não há mancha:
     sim, chore o inferno voraz!
E tu, abaixa a sanguinolenta fronte,
     hedionda serpente:
90
No bojo comprimido te lateja a calda vencida!
Esconde, soberbo monstro, no enroscado corpo a fronte,
retrai a cerviz, esconde-a, soberbo monstro!
     Eis que vem a mulher,
aquela mulher mais forte do que o homem,
a que há de romper teus insidiosos laços.
95
Por que cantas vitória, miserável?
Por ter outrora a primeira mulher
metido em tuas redes os pés incautos?
     De que te alegras, malvado?
     de ter ela levado o esposo
a conspurcar inteira a geração humana?
Eis que da carne do primeiro homem
     brota agora uma Virgem,
100
que, única entre todos, desconhece este crime!
Isenta do ferrete, livre da maldição antiga,
foi a única a esquivar-se aos teus agravos.
     Ela, implacável,
sustentará, contra ti e contra a tua raça,
     medonha e crua guerra.
105
E tu, perverso monstro
varrendo o solo com o peito infeccionado,
acometerás de rojo seu calcanhar de neve,
para abrir sangrentamente em sua carne
     essa chaga mortal
e injetar com os venenosos dentes
     o veneno da alma.
     Ela, porém, esmagando-te,
não será sequer bafejada pelo hálito sinistro,
110
nem roçada pelos dentes sanguinosos.
     Com as plantas vitoriosas
te comprimirá a cerviz altiva,
te esmagará e arrancará a cabeça.
     Tremam os sombrios infernos!
a Virgem derrubará cavalo e cavaleiro:
     Tremam os sombrios infernos!

Conceição da Virgem Maria

"A primeira alegria"


Felizes, pois, os pais que te geraram
e que do alto souberam de teu nascimento!
     Ó afortunado Joaquim,
que geraste de teu sangue a Virgem,
70
que geraria o Filho de Deus!
     Ana, afortunada mãe,
que trouxeste nas entranhas esta Virgem,
que em seu seio acomodaria o próprio Deus!
Ó suavíssima carga do materno seio,
querido penhor do pai, leve fardo da mãe!
75
Fazendo das entranhas maternas tua morada,
começas já a abrir do céu as portas,
a nenhum dos antigos franqueadas.
Com razão o exército dos anjos, santa menina,
já se prepara para levar-te ao berço
     mil congratulações.
Com razão fazem retumbar com novos hinos
80
     as abóbodas celestes
por te verem sem mancha concebida.
Por ti se delirá a culpa dos primeiros pais
que legou o ferrete da ignomínia
     à pobre raça humana.
Por ti, em grande número,
despiremos os andrajos de mortais
e seremos contados entre os coros celestes.
85
     Rejubile o firmamento!
     sem maldição alguma,
o palácio de Deus na terra se constrói:
     sim, rejubile o firmamento!

20 de novembro de 2014

Conceição da Virgem Maria

"A Imaculada"


Concebida em seio materno, como todos nós,
só tu, ó Virgem, foste livre do labéu
     que mancha os outros todos,
     e esmagas ao calcanhar
a cabeça do enroscado dragão,
50
retendo sob as plantas sua fronte humilhada.
     Toda bela de alvura e luz
não houve sombra em ti, doce noiva de Deus!
Jamais se estampou no teu peito a mancha do crime:
nódoa alguma, por mínima que fosse,
empanou jamais tua beleza.
55
Ó formosura sem par,
nimbada pelo brilho das virtudes,
puderam ofuscar toda a beleza angélica!
     A tua imagem bela
grava, ó Virgem Imaculada, em nosso peito,
e que essa formosura ao meu olhar seduza!
60
Foi esta imagem o enlevo dos profetas
que te decantaram nos seus versos.
Designaram-te sob variados símbolos,
     suspirando longamente
por que teu Filhos lhes trouxe a salvação.
Oh! quanto desejaram, graciosa Virgem,
     contemplar os teus olhos
no esplendor do firmamento rutilante!
65
Quanto quiseram, a teus pés, sorver a inspiração,
a suave melodia que jorrava de teus lábios!

19 de novembro de 2014

Conceição da Virgem Maria

"Na mente de Deus"


25
Antes de lançar com a sua palavra
     os mundos pelo espaço,
antes de estender a terra imensa,
já Deus te concebera em sua mente eterna
e te destinara para sua Mãe
     na glória da virgindade.
Qual serias então aos olhos do divino Pai,
30
quando surgiu no universo o turbilhão dos mundos?
Ainda as ondas do mar sem limites
     não rojavam pelas praias,
nem deslisavam o rio em curvas caprichosas;
ainda do tremedal fecundo das fontes não brotavam,
nem assentavam sobre as moles gigantescas
     os picos alcantilados:
35
E já te concebia em sua mente o Pai supremo,
que tu havias de conceber em teu seio, como a filho,
para purificar o mundo inteiro
     das hediondas máculas
e ser eficaz medicina as minhas chagas.
quem pode dizer a tua formosura, o teu encanto,
40
se te idolatrou o artífice divino?
Futura salvação, prometida ao primeiro pai.
Tu lhe havias de lhe restituir a vida
no casto fruto de tuas entranhas.
     Com o letal veneno
Eva nos havia de corromper:
     concebida sem mácula,
apresentar-nos-ia tu o antídoto.
Tremeu, ao nome da segunda mulher,
45
     a astuta serpente,
que enredara em seus laços a primeira.

Poema da Bem Aventurada Virgem Mãe de Deus Maria

Primeira tradução portuguesa em ritmos feita sobre o texto contemporâneo do manuscrito de Algorta

(São José de Anchieta)

- Transcrito como obséquio de minha escravidão de amor-


Infância de Maria

Exordio


1
     Cantar ou calar?
Mãe Santíssima de Jesus, os teus louvores
hei de os cantar ou hei de os calar?
     A mente alvoroçada
sente-se impelida pelo aguilhão do amor
a oferecer a sua rainha uns versos...
5
Mas receia com a língua impura
     de cantar tuas glórias:
inúmeras culpas carregam-na de manchas.
Como ousará mundana língua enaltecer
a que encerrou no seio o Onipotente?
Apavorada a pobre mente foge,
    a não ser que o teu amor
expulse do coração o medo que o possui.
10
     Porque temer incerto?
     Porque há de gelar o peito?
Porque fria se encolherá a língua?
Mas... és tu que me obrigas a cantar:
acodes a esforçar-me balbuciante
a revigorar-me a mão tremente.
15
Tu me estreitas ao materno seio,
tu me ergues o coração prostrado
e o cumulas de graças celestiais.
Oh! se o amor da Mãe divina me não dobrar,
se à glória da Virgem meus lábios não se abrirem,
que meu coração vença em dureza
20
     a pedra, o ferro e o bronze,
     o diamante indomável!
quem me dera encerrar na arca do peito
     a tua virginal imagem,
para envolver-te, piedosa Mãe, em chamas!
     Sê tu, com o teu menino,
O único prazer, anseio, amor do meu coração!